Há cada vez mais casos de queimaduras em crianças

O número de crianças que chegam ao hospital com ferimentos de queimaduras tem vindo a aumentar. E as vítimas são cada vez mais novas.

O alerta é dado pela médica Zínia Serafim, da Unidade Queimados Hospital D. Estefânia, em Lisboa, que vai apresentar os dados mais recentes desta nova realidade no próximo mês, no Congresso Nacional de Queimados. “As queimaduras pediátricas continuam a ser a causa mais frequente de internamento de crianças dos 0 aos 18 anos”, garante a cirurgiã, adiantando que desde 2011 o número de doentes queimados não pára de subir.sol

Nesse ano, o Hospital D. Estefânia registou 498 casos. Em 2012, o número subiu para 575 e só no primeiro semestre deste ano, já deram entrada nas urgências 369 crianças queimadas.

Além de estarem a aumentar, os doentes são cada vez mais pequenos. Em 2011, a média de idades rondava os cinco anos, no ano seguinte baixou para os três e, este ano, encontra-se apenas nos dois anos.

Na sua grande maioria (cerca de 70% dos casos), os acidentes são provocadas por vapores e líquidos quentes (chá, café, sopa, óleo, etc.) e dão-se na cozinha e na casa de banho, na presença de adultos.

Gabriel, por exemplo, estava na cozinha com o pai quando tropeçou num balde com água quente, detergente e roupa suja. A criança, de 18 meses, ficou com 20% do corpo queimado (as mãos e as pernas) e teve de fazer enxertos de pele nas duas mãos.

Já Pedro (nome fictício) tinha 13 meses quando uma fritadeira com óleo a ferver lhe caiu em cima. Tinha começado a andar sozinho duas semanas antes e deambulava pela cozinha, quando puxou o fio da fritadeira e derrubou o óleo em cima de si. Sofreu queimaduras profundas em 30% do corpo – no couro cabeludo, face, pescoço e braços. Esteve internado um mês, ligado a um ventilador, e foi submetido a um enxerto de pele, retirada das coxas para cobrir o couro cabeludo, a face e os braços.

Crianças até aos quatro anos são as mais atingidas

Estes são apenas dois dos muitos casos complicados que surgiram recentemente na Estefânia. “A queimadura é o maior trauma que um ser humano pode sofrer pois, ao perder-se a integridade da pele, as terminações nervosas ficam expostas e provocam uma dor violenta”, explica a médica, no estudo que será apresentado no congresso entre 12 e 14 de Setembro.

De acordo com este trabalho, a face, pescoço, tronco e os membros superiores são as zonas do corpo mais afectadas. “A maior incidência das queimaduras nas crianças é na faixa etária dos 1 aos 4 anos, sendo provocadas por líquidos quentes (agua e alimentos) e vapores”, diz Zínia Serafim, esclarecendo que quase sempre os acidentes acontecem em casa.

“A cozinha é o local mais perigoso para uma criança e é muito importante que os pais, quando cozinham, não levem os filhos para lá”, avisa Helena Sacadura Botte, da Associação para a Promoção da Segurança Infantil, lembrando que devem também fechar sempre as portas da cozinha e da casa de banho.

Para Zínia Serafim, é fundamental que os profissionais de saúde alertem as mães para este problema: “Os centros de saúde precisam de explicar às grávidas que um bebé com sete/oito meses tem muita curiosidade e vai ter tendência, por exemplo, para puxar a toalha da mesa, arriscando-se a que tudo o que está em cima acabe por cair sobre ele”.

A cirurgiã defende igualmente uma aposta forte em “campanhas de prevenção”, de modo a que “os cuidadores tenham mais conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança e consigam tornar a sua casa mais segura”.

Cuidados pós-alta sem comparticipação

O aumento do número de crianças queimadas pode ser explicado, em parte, pela crise socioeconómica que afecta o país. Muitos casais – alega a médica – tiveram de voltar para casa dos pais, que “muitas vezes, não está preparada para receber crianças”. Além disso, há cada vez mais famílias disfuncionais, com pais muito jovens e pouco conscientes da segurança do filho – como no caso de Pedro – ou com muitos filhos, não conseguindo estar ‘de olho’ em todos, como aconteceu com o caso de Gabriel.

Para agravar a situação, grande parte dos tratamentos após a alta não são comparticipados pelo Estado. É o caso da máscara e do colete usados para as cicatrizes. “Estas crianças têm de usar vestes para comprimir as cicatrizes durante 24 horas e até cerca de dois ou três anos após o acidente”, diz a médica, explicando que o Estado só comparticipa estes fatos especiais às famílias com o rendimento mínimo: “E mesmo assim, o hospital só fornece uma peça de cada, por ano”.

Para terem acesso aos fatos, que chegam a custar 300 euros, muitos pais recorrem à Associação Amigos dos Queimados (AAQ), que os fornece sem custos, graças a uma parceria com a associação alemã – Paulinchen – que ajuda famílias de crianças com queimaduras. Esta instituição ‘recicla’ os fatos de que as crianças alemãs já não precisam e envia-os para a AAQ. “Fornecemos as vestes a quem precisa, seja a pais que tenham possibilidades financeiras seja àqueles que estão à espera que chegue o material do hospital, o que costuma demorar cerca de oito meses”, explica a médica ¬– que também é vice-presidente da instituição.

As crianças queimadas também têm de utilizar cremes hidratantes, gel de banho, champô e protector solar específicos para os seus ferimentos, que não são comparticipados. A AAQ tem alertado o Ministério da Saúde para o problema, “mas até agora não houve qualquer resposta”, lamenta a clínica.

[email protected]

 

Fonte: Sol

Deixe um comentário